Diz o Artigo 2º da Constituição Federal que os Poderes devem ser independentes e harmônicos entre si. Isso é basilar naquilo que define a própria Constituição Federal, no seu Artigo 1º em que seríamos a República Federativa do Brasil. Mas não sairei do âmbito do Estado do Rio de Janeiro.
Estou, cada vez mais, preocupado com sucessivos atritos institucionais que nos levam a desrespeitar a Carta Magna do país. Só nos últimos 30 dias, isto é, mês de novembro, houve relações conflituosas entre o chefe do poder executivo e o parlamento fluminense, por responsabilidade do chefe do poder executivo. Vamos aos exemplos. Sabe o chefe do executivo, até porque é advogado, ex-membro da Defensoria e ex-juiz federal, que sobre benefícios fiscais não se pode legislar por decreto. É necessário mandar projeto de lei para o parlamento. Somente no mês de novembro, ele procedeu equivocadamente por duas vezes. A primeira, quando, por Decreto, concedeu benefícios fiscais para os polos metalomecânicos instalados ou que se instalassem em todo o território do estado. Sem nenhuma análise projetiva de impactos nas receitas, sem nenhuma projeção de geração de emprego e aumento de renda. Logo a seguir, novo decreto, quando reduziu a alíquota do querosene de aviação, o famoso QAV, de 12 para 7 pontos percentuais. Não entro no mérito, se bom ou ruim. Só não poderia fazer por decreto. Em seguida, ao arrepio da oportunidade em relação ao Regime de Recuperação Fiscal, usa transferências de recursos da saúde, tanto da secretaria quanto do Fundo da Saúde, para a comunicação do governo, para fazer publicidade na área da saúde. E não foi em questões de utilidade pública, mas publicidade para promoção do governo, tentando usar brechas da legislação do Regime de Recuperação Fiscal.
Pode até haver legalidade, embora não ache isso, mas sem nenhum senso de oportunidade! E o fez em horário nobilíssimo, domingo, naquele momento em que apareceria a festa do Clube de Regatas do Flamengo, tri-coroado campeão carioca, brasileiro e da Libertadores. Índice de audiência, portanto, no pico! Um minuto de publicidade! Tem legalidade? Tenho dúvidas. Mas oportunidade? Nenhuma! Porque, para a população, foi dinheiro jogado fora.
Mas não para aí: de maneira desatinada, a secretaria da Casa Civil fez retornar policiais que estavam à disposição de cinco parlamentares, escolhidos a dedo, e que até o mês de outubro pertenciam à base de governo. Mas, talvez, pela aproximação do verão, o clima esquenta, agora são bem-vindos a nós que estamos aqui, na oposição, desde o primeiro dia.
Mas continuemos: isso não pode ser feito; quem requisita funcionários, seja de que área for, para a Assembleia Legislativa, é o presidente da Casa. E o governo não pode determinar retorno de ninguém, sem formalmente se posicionar com a presidência da Casa.
Há de se lembrar que, quando houve a intervenção na área da segurança pública, o general interventor oficiou à Casa a devolução – não de policiais que escolheu – de todos! Não cabe escolher um, em detrimento de outro, para prejudicar, de repente, parlamentares que estão sob risco de vida! Este é o nível de atrito.
Hoje, também não sei se custou caro ou não, no jornal O Globo, encarte publicitário do governo do Estado, falando das maravilhas que estão acontecendo no estado na área de desenvolvimento – área que acompanho com lupa! Está lá o benefício fiscal por decreto da cadeia produtiva do polo metalomecânico. Quando é projeto de lei referente ao Fundo Estadual de Combate à Pobreza para esta Casa se desgastar, ela se desgasta. Mas, quando é para dar uma de Papai Noel para o setor empresarial, é o governador que o faz. Isso dá uma ideia do nível de atrito. Nessa relação houve ruptura, e esta Casa tem que ter dignidade de reagir à altura, porque vários deputados neutros, ou de base, ou de oposição não têm medido esforços para tentar recuperar as finanças públicas, o que não tem acontecido.
Por último, quero fazer outro registro: da votação do dia de ontem, que abriu zona de atrito entre o parlamento e o Ministério Público Estadual. E abriu desnecessariamente. O parlamento tem direito – é da independência dele – de votar o que quiser. O parlamentar é imune nas suas palavras e nos seus votos, somente. Por mais que o Regimento Interno possa abrir essa possibilidade, dê legalidade, não há possibilidade que seja apresentada subemenda, colocando questões que não foram discutidas com deputado algum, na Comissão de Constituição e Justiça. Não era simplesmente subemenda sobre o tema que foi foco das discussões. Ela pegou todos de surpresa e colocou todos nós em perplexidade.
Há que se ter saída institucional para essas questões. Volto a dizer: as relações têm que ser de independência e harmonia. Essa é questão central. Quando as relações institucionais ficam esgarçadas, não há mais saída. E não falo de Brasília, onde essa relação está mais do que esgarçada. Falo do Estado do Rio de Janeiro, onde temos a obrigação de cumprirmos nossos mandatos em benefício da população.