Narco e milícias – faces da mesma moeda
Durante os mandatos de Sérgio Cabral, sendo secretário José Beltrame, iniciou-se o projeto das Unidades de Polícia Pacificadora. Por várias vezes, afirmei que o projeto tinha base política eleitoral. Seu início pela Zona Sul do Rio, em 2008, coincide com a eleição para prefeito do Rio, sendo candidato do PMDB, Eduardo Paes, que ganhou a eleição no 2º turno. Lembro aqui que o dia da eleição foi após um feriado, em que o governo deu ponto facultativo para facilitar aos eleitores da Zona Sul irem para suas casas de veraneio, fora da capital e deixarem de votar.
Esta esperteza deu a vitória a Eduardo Paes sobre Fernando Gabeira, por apenas 50 mil votos de diferença. Na Zona Sul, perdeu as eleições na proporção de sete por três. Aí começaram a implantar as UPPs pela Zona Sul, com aplauso de toda mídia escrita, falada e televisada.
Nesse processo, falei frequentemente que, como projeto-piloto, as UPPs seriam válidas, mas como projeto consistente seria quase impossível, porque tínhamos, àquela época, só na cidade do Rio de Janeiro, quase 600 comunidades sob domínio do narcotráfico ou das milícias, que são faces criminosas da mesma moeda. Como poderíamos instalar UPPs em 600 comunidades? Não sobraria sequer um policial militar para colocarmos no interior ou na Baixada Fluminense e, também, nas próprias ruas da cidade do Rio de Janeiro. Mas, com aplauso geral da população, abanado pela mídia, o projeto foi crescendo, inflando.
Mas havia ainda um segundo erro básico: numa comunidade dominada pelo narcotráfico não poderiam coexistir o militar da UPP e o comandante do narco local. Não daria certo, porque só cabe naquele local uma autoridade instituída, que era a militar. Essa situação trazia, ainda, uma economia para o narco, porque a própria UPP dava, de alguma maneira, proteção institucional, para não haver invasões de outras facções. Denunciamos exaustivamente isso aqui, mas a sociedade se fazia de surda e a nossa mídia também.
Lembremos do espetáculo fantasioso da tomada do Complexo do Alemão. Quem já fez obras lá, como eu fiz, sabe que existe uma galeria de 2×2, pela qual parte do narcotráfico saiu do morro. Isso ganhou uma dimensão espetaculosa, até o momento em que o projeto foi-se esvaziando. Mas, antes disso, Sérgio Cabral foi eleito no primeiro turno para o segundo mandato.
Esse foi um projeto político-eleitoral que nasceu para não dar certo e desorganizou todo o sistema de Segurança Pública do Estado, que precisa, de fato, ser revertido com planejamento, sob os auspícios do comandante-geral da Polícia Militar. Mas a desmobilização precisa também de planejamento e, evidentemente, esses efetivos devem ser alocados pelo conhecimento territorial que tem a Polícia Militar, nas áreas de maior índice de criminalidade. Não compete a nós, parlamentares, dizer como se fará isso.
O projeto das UPPs não deixou raízes nem na segurança pública, nem na assistência social. Não há nenhuma comunidade que possa resistir aos embates do narcotráfico, sem que seja inserida na cidade formal – para isso, é necessário levar cidadania, serviços públicos.