Tento sair do tema, mas confesso que não consigo, porque não há nada que tenha mais me entristecido do que o avanço da pandemia no Brasil. Lembro aqui o artigo 1º da Constituição Federal – Título I – Dos princípios Fundamentais. Gostaria muito que o presidente da república também o lesse:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (Vide Lei nº 13.874, de 2019)
V – o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
Quero destacar o inciso III – a dignidade da pessoa humana – e a indissolubilidade da união entre Estados, Municípios e Distrito Federal.
A federação desagregada pelo presidente
No entanto, o presidente da república, é, hoje, presidente de federação sem união. A União, capitaneada por Bolsonaro, vai para um lado e estados, municípios e Distrito federal vão para outro. Para comprovar esse desrespeito constitucional estão aí a pandemia, as vacinas, o distanciamento, o uso de máscaras e da higiene pessoal. Portanto, o presidente é, hoje, o maior agente desagregador da federação brasileira. E isso é absolutamente inédito e tem levado o país ao caos. Hoje, passamos da faixa dos mil mortos diários no Brasil, o que dá mais de uma pessoa morta por minuto. São números absolutamente alarmantes.
O endurecimento do Rio
Hoje, o prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, publicizou decreto endurecendo as medidas de afastamento por uma semana. Considero que o decreto já veio até tardiamente e deveria ser por 14 dias, ciclo completo do processo de contaminação do coronavírus.
Movimento orgânico organizado para salvar os brasileiros
Considero, também, que todas as unidades da federação que estão com indicadores ascendentes deveriam tomar o mesmo caminho. E esse movimento precisa ser mesmo orgânico, organizado pela associação de governadores e prefeitos. Porque estariam agindo em consonância com o Artigo 1º da Constituição da República, independentemente do negacionismo do presidente.
Também acho importante a ideia de que a Unale – União Nacional das Assembleias Legislativas – reunisse todos os presidentes de Assembleia Legislativa, e assumissem posição de apoio aos governadores e prefeitos. Não somente para buscar vacina, o que é um dever. Mas para tomar as medidas restritivas necessárias. Porque as vacinas, mesmo que venham, não terão velocidade de aplicação maior do que o volume de contágio e de variantes do próprio coronavírus, levando, em seu bojo, carga viral muito maior, e, por consequência, poder de duplicação de contaminação muito maior.
Os negacionistas estão na contramão da história
Este tema é relevante. Porque, sem isso, a economia não vai respirar. Os negacionistas, quando trabalharam no “libera tudo, porque a economia precisa funcionar e a pandemia há de passar”, entraram na contramão da história, para nosso pesar.
Aqui, na cidade do Rio de Janeiro, a partir de hoje, dia 4 de março, começou a vacinação daqueles que têm mais de 77 anos. Nesse ritmo, pela tabela publicada, quando chegar o último dia de março, no dia 31, ainda não teremos atingido a população de maiores de 65 anos. E aqui é a cidade do Rio de Janeiro.
As regras estão colocadas
A equação clara é evitar aglomerações; usar máscaras – lembro que, nos Estados Unidos, hoje, recomenda-se uso de duas máscaras; a higiene, ou com água e sabão ou álcool em gel ou álcool puro, não importa, mas higiene das mãos, do rosto, enfim. Porque, se esta norma não for cumprida à risca, vamos discutir e olhar números assustadores, vendo-os se multiplicarem. Falar-se em 1.700 mortos, em 2.000 mortos por dia, de uma única doença, é algo absolutamente inaceitável e inacreditável. São perdas irrecuperáveis.
Abrir leitos de UTI exige profissionais habilitados, não disponíveis em volume
Coloco, ainda, uma outra questão: como abrir leitos de UTI? Há uma categoria médica chamada de intensivistas, que trabalham nas UTIs de hospitais públicos e privados. É especialização que não se forma da noite para o dia. Não haverá intensivista para todo mundo. Porque entubar um paciente é uma técnica; conhecer que medicamento aplica em cada momento é outra técnica. E não existe esse pessoal no mercado à disposição.
O problema dos corpos
E há outro grave problema, que são os próprios mortos. Como dar conta desse volume de mortos? E, quando não tem mais UTI, as mortes começam a se dar onde? Na casa. E o que se fará com os corpos? Como se transportam esses corpos? Cadê os recursos para isso?
Então, o problema é de enorme gravidade para os vivos e, infelizmente, também para os mortos. Ontem, vi infectologista afirmar, que, se nada acontecesse para fazer esses bloqueios, esse lockdown, se não se tomassem as medidas urgentes, temia que o volume de mortes começasse a contaminar o lençol freático, sem que se pudesse dar destino a esses corpos.
Vejam o estágio a que chegamos: já que o presidente continua ausente desse tema, precisamos, de fato, de mobilização nacional dos poderes – dos Poderes Executivos – governadores, prefeitos -, Poder Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Tribunais de Contas. Ou seja, de todos aqueles que têm compromisso com a dignidade da pessoa humana e de salvar vidas, porque é disso que nós estamos falando: de salvar vidas.