De píer em Y, passando pelo QG da Polícia, indo ao Maracanã e subindo a Perimetral
Os jornais noticiam hoje que a Companhia Docas vai iniciar a construção do píer da área portuária, nas proximidades do píer da Praça Mauá. Um píer em Y, para atracar navios de grande porte formando uma barreira visual para quem, de terra, queira vislumbrar a Baía de Guanabara e para quem, do mar, queira vislumbrar o Mosteiro de São Bento. Uma intrusão visual danosa à nossa cidade, que dificulta a admiração de suas belezas e da própria Baía de Guanabara.
Docas não pediu licença a ninguém para fazer isso. O próprio prefeito da cidade do Rio de Janeiro veio a público dizer que era contrário ao projeto. Três dias depois se rendeu à estrutura do poder central e resolveu não mais ser contra, muito menos a favor. Volta, hoje, a dizer que lava as mãos, deixa de ser o príncipe regente da cidade, herdeiro direto de Dom João VI, isto é, do governador do Estado, para ser Pôncio Pilatos.
Ao lavar as mãos, entra numa das maiores contradições de um chefe de poder. Trocar o elevado da perimetral por um malfadado túnel e pelo binário da Avenida Rodrigues Alves, significa estar trocando seis por meia-dúzia, gastando R$1,5 bilhão e, ainda, provocar congestionamentos na Região Metropolitana. Finge esquecer que a perimetral não é uma obra do Rio; é obra metropolitana feita pela União. Mas o faz afirmando que a beleza é fundamental, que há uma questão estética, e que o elevado é uma intrusão visual na nossa cidade.
Mas basta ir a Tóquio, onde as vias elevadas praticamente tangenciam os edifícios. Na badalada Barcelona, verifica-se conjunto de elevados no perímetro urbano. Nas entradas da monumental Paris, você convive com um conjunto de elevados na entrada da própria cidade e por aí mundo afora. Mas aqui, como os interesses privados estão acima dos interesses públicos, por questões estéticas vai-se derrubar o elevado para fazer um túnel com todo confinamento, problemas de drenagem e de rampa que também vão existir. Para o elevado, a justificativa é estética; agora, para o píer em “Y”, admite, porque é um novo negócio, uma nova empreitada. Os próprios arquitetos se posicionam por unanimidade nos jornais de forma contrária. A Justiça foi célere em derrubar uma liminar como derruba tudo aqui que contraria os interesses do governo. Há uma proposta de um píer em “E” e não em “Y”, que seria menos agressivo. Mas nem isso Docas quer discutir, porque precisa fazer com que o empreiteiro faça a obra.
Vivemos sob a égide do interesse privado contrariando os interesses públicos. O píer em “Y” é uma obra federal, a Companhia Docas está subordinada ao governo federal. O governador do Estado viaja para Paris para não ver o que está acontecendo, mesmo quando a sua Secretária de Cultura veio a público para colocar-se como contrária à obra em “Y”. O Secretário de Transportes Júlio Lopes é omisso por natureza. Então, quem dita as normas no nosso Estado são os interesses privados. Não há o mínimo de coerência nem no discurso e muito menos na ação.
O governo estadual está vendendo o QG da Polícia Militar, na Rua Evaristo da Veiga, e talvez arrume ali cem milhões de reais e ao mesmo tempo vai fazer outro QG por 120 milhões. Qual é a lógica? É a lógica do privado sobre o público.
Outro exemplo surge: o destombamento do prédio da Brahma e sua implosão para erigir um prédio privado, em processo de aprovação e confecção do projeto, e que será um dos mais caros e mais altos de toda a região. Dizem que, em troca disso, se ampliariam as arquibancadas do Sambódromo para a Olimpíada. Copa do Mundo e Olimpíada, neste país, servem para viabilizar os negócios privados e jamais para atender o interesse público, basta observar o caso do Maracanã.
A Lei da Copa ofende artigo fundamental da Constituição da República, porque afeta a soberania nacional. E está aprovada em todos os estados brasileiros. O Congresso Nacional, de maneira sub-reptícia, delegou aos estados fazerem as suas próprias leis da Copa. E esta Casa, por iniciativa do Executivo, também aprovou. O entorno do Maracanã, num raio de 1Km em torno do seu anel, é um território independente gerido pelo rei da Fifa, isto é, pelos interesses privados, como se no solo brasileiro pudesse haver um território gerido por um outro mandante que não fossem o Presidente da República, o Governador e o Prefeito. Rasga-se a Constituição!
Cada vez está mais claro que estamos aqui muitas vezes trabalhando não para que as políticas públicas avancem, mas para uma política maior, que é a política estratégica do governo de definir que os interesses privados representam hoje o grande fator das políticas de Estado. Enganam-se, porque um dia o povo reconhecerá que esses estão na contramão da história e devolverão à nossa nação e ao nosso Estado o lugar que sempre mereceram.
(Opinião – Artigo – PSDB-RJ – 15/05/2013)