Hospício Tributário, por Luiz Paulo

Hospício Tributário, por Luiz Paulo

Hospício Tributário, por Luiz Paulo

 

Sr. presidente, deputado Jari Oliveira, sras. e srs. deputados que nos acompanham de forma presencial ou remota, sras. e srs. telespectadores da TV Alerj e sra. intérprete de libras, que leva a nossa voz aos deficientes auditivos, boa tarde.

 

Crítica à Reforma Tributária 

Tenho aqui, sistematicamente, feito uma análise crítica da Reforma Tributária e, hoje, quero me ater a um tópico específico, provocado que fui por excelente artigo publicado num jornal de grande circulação de São Paulo, no dia de ontem, cujo autor esteve nesta Assembleia Legislativa, exatamente neste plenário, numa audiência pública organizada pelo sr. deputado André Corrêa junto com o Sindicato dos Auditores Fiscais sobre a Reforma Tributária. O tema desse artigo é a abordagem que quero fazer: a existência do Conselho Federativo.

 

Reforma Tributária é centralizadora

O Art. 1º da Constituição Federal de 1988 diz que somos a República Federativa do Brasil, e a Reforma Tributária é profundamente centralizadora. Ela reforça o princípio de que seríamos uma República Unitária. Por que digo isso? Principalmente por causa do Conselho Federativo. O Conselho Federativo é formado por 54 membros: 27 representantes dos Estados – um por Estado, 26 Estados, mais o Distrito Federal -, e os outros 27 representando o conjunto dos cinco mil municípios. 

 

Imposto sobre Bens e Serviços – IBS

Esse Conselho Federativo vai encarregar-se de gerir o IBS – Imposto sobre Bens e Serviços -, que será criado pela PEC 45, da Reforma Tributária. O IBS é o somatório do ICMS mais o ISS, que é um tributo municipal. O Estado não vai mais legislar sobre ICMS, porque estará extinto em 2033; e os vereadores não legislarão mais sobre ISS, porque ele também estará extinto em 2033. Então, esses dois impostos terminam. E é criado o IBS, cuja gestão será feita por esse Conselho Federativo.

 

Recursos de demandas é com o STJ – usurpação do poder de Estados e Municípios

O órgão jurídico recursal das demandas entre Estados e o Conselho passa a ser o STJ – Superior Tribunal de Justiça – que é da União. O Tribunal de Contas, que vai fiscalizar esse IBS, é o TCU – Tribunal de Contas da União. Quem vai resolver as demandas administrativas, recursos de partes contra o Estado etc. será o Conselho Federativo. Portanto, esse Conselho Federativo usurpa o poder de estados e municípios e vai ser encarregado no tempo de fazer a distribuição desses recursos, segundo critérios de proporcionalidade que ainda serão definidos por lei complementar. Estima-se que esse IBS será uma alíquota única no entorno de 27 pontos percentuais, mas a distribuição entre União, estados e municípios será objeto ainda de lei complementar. Então, esse conselho federativo passa a ser uma agência – como bem coloca aqui o artigo – centralizadora, usurpando os recursos e a capacidade dos estados e municípios. 

 

Afasta-se os auditores fiscais do Estado

Por que não podem os estados fazer a gestão daquela cota-parte que lhes pertence desses recursos? Não tem o menor sentido, porque os auditores fiscais de cada estado não podem colaborar para dirimir os conflitos das próprias administrações tributárias, vai ter que centralizar na União. Esse conselho federativo não é eleito por ninguém, é indicado um por unidade federativa. Nem diz que tem que ser o secretário de fazenda. Então, imaginem um governador, de forma inapropriada, indica para esse conselho um cidadão que não seja tributarista, o que ele vai fazer nesse conselho? E, sob o ponto de vista do pacto federativo esse conselho, está escrito na PEC, tem direito a propor à Câmara Federal leis complementares. Eles foram eleitos por quem? São um poder? Onde é que isso está escrito na Constituição? E se esses recursos forem mal geridos? Quem é que responde? Um conselho etéreo desse? Então, este artigo do Felipe Salto mostra, com muita qualificação, porque ele trabalhou na gestão tributária do Estado de São Paulo, todas essas contradições. E será que uma centralização dessa ordem é constitucional? Ela é coerente com o princípio que chamamos o princípio da federação? No meu entendimento não o é. 

 

Hospício tributário – necessidade de manter os princípios da Carta Magna 

Tenho esperança de que no Senado Federal esse seja um dos pontos que possam ser devidamente revistos, porque veja só: de 2026 a 2033 vai ter uma transição do ICMS e ISS para o IBS, mas, durante sete anos, que alegam que o ICMS e o ISS, intitulam lá os autores da reforma tributária, são um hospício tributário. Mas nesse período de transição vai virar um inferno tributário. Mas, depois de 2033, só repassará 60% desses recursos do IBS, porque depois terá mais 50 anos pela frente para acabar essa transição até 2078, salvo erro de memória. Eu não sei nem o que teremos, sob o ponto de vista da organização mundial da nossa sociedade na face da Terra em 2078. Hoje em dia pensar quatro anos para frente já é muito difícil, que fará pensar 50 anos! Aconselho que os autores dessa PEC, os grandes defensores, vejam o filme Matrix para terem a ideia de como será esse mundo; ou que parem um pouco e trabalhem com inteligência artificial. Se alguém falasse que a inteligência artificial iria tomar a velocidade que tomou no início da pandemia – é claro que já havia inteligência artificial, mas não com a mesma velocidade -, eu, por exemplo, ficaria extremamente surpreso. Esse é o mundo em que estamos vivendo, e uma reforma tributária não pode quebrar aquilo que é fundamental, que são os princípios maiores da Carta Magna. Com esses princípios não podemos tolerar mais agressões além das que já ocorreram.

 

Centralização na União

Por isso, há muito tempo, nos parlamentos, esse tema vem sendo discutido, mas uma das grandes reformas que temos que fazer é rediscutir o pacto federativo, porque está tudo centralizado na União. Esse é um dos capítulos mais difíceis de se entender nessa Reforma Tributária. Quando se vai centralizando o poder, vai-se tirando o poder dos governadores, dos prefeitos, das assembleias legislativas e das câmaras de vereadores. Parece que o Brasil é o presidente da república e o Congresso Nacional. Mas, aí, então vamos discutir a Carta Magna. Porque não seria mais República Federativa, mas República Unitária. É quase querer voltar ao Império: um Imperador eleito com um conselho deliberativo – e estou respeitando o Congresso: não é Conselho consultivo, não; é Conselho deliberativo.

 

E a surpresa da Argentina, com o candidato que nega o sistema?

Na contramão disso, para concluir, e sem nominar, está todo mundo perplexo com as primárias da Argentina, vencida por um candidato de extrema direita, que passou a ser um dos grandes favoritos no pleito, que, acho, será em novembro desse ano. E por que esse cidadão ganha tanta força na Argentina? Porque nega o sistema. No fundo, está querendo que esse sistema exploda, porque não dá o retorno de que os menos favorecidos necessitam. Ele não está apegado à religião “x”, “y”, “z”, a critérios de família etc., como foi aqui com o falso discurso bolsonarista. Porque alguns valores que defendia eram da boca para fora, que ele jamais cumpriu. Mas o candidato da Argentina quer que a sociedade se liberte disso tudo, mas, ao mesmo tempo, não propõe nada alternativo. E isso incita o desejo de grande reviravolta, de grande mudança.

 

Preservar o conceito de federação

Fico aqui perplexo, porque, se somos fortes defensores do estado democrático de direito, temos que preservar o conceito de federação. E não um conceito de República Unitária, porque quanto mais concentrado o poder, mais a capacidade de errar se acentua. E, quando os erros ocorrem com o poder concentrado, os resultados são desastrosos, exatamente pela concentração. Mas vamos continuar a avançar nesse tema. 

Deixe um comentário