O governo tinha a previsão de investir R$ 759,4 milhões em água e esgoto, mas só repassou R$ 132 milhões à Secretaria de Obras e à Cedae
A falta d’água que vem irritando cariocas neste verão, somada às desagradáveis surpresas nas praias, em forma de espumas e colorações avermelhadas provocadas por algas, pode também ser explicada pela morosidade na aplicação de recursos em saneamento no Rio. O governo do estado tinha a previsão de investir R$ 759,4 milhões em água e esgoto em 2013, mas só repassou R$ 132 milhões à Secretaria de Obras e à Cedae. E foram efetivamente gastos — em quatro programas — R$ 127,6 milhões, o que representa 16,8% do total previsto no orçamento. Os dados são referentes aos investimentos diretos do tesouro estadual e foram compilados pelo deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB) no Sistema de Informações Gerenciais (SIG), portal de receitas e execuções orçamentárias.
Faltando 939 dias para o início dos Jogos Olímpicos, compromissos como a despoluição da Baía de Guanabara e das lagoas de Jacarepaguá seguem em marcha lenta, e o Rio continua sofrendo com antigos problemas de gestão em saneamento. Um relatório da própria Cedae, de 2012, revela que o desperdício de faturamento da empresa chega a 50% — ou seja, a companhia só consegue receber por metade da água que produz. Nos últimos anos, a média de desperdício na distribuição de água potável no Rio tem se mantido na faixa dos 30%. Desperdício que se reflete num consumo médio per capita nas alturas: o Estado do Rio (atendido pela Cedae e outras empresas) consumiu 237,8 litros por habitante/dia em 2011, superando a média de São Paulo (186,8 litros), Minas Gerais (155,5) e Espírito Santo (192). As informações são do Ministério das Cidades.
— Esse dado reflete a perda brutal de água, que é bem mais acentuada no Rio do que em outros estados do Sudeste. Essa situação limita o desempenho financeiro da Cedae e ajuda a explicar a falta de investimentos — destaca o economista Rudinei Toneto Júnior, professor da USP de Ribeirão Preto e autor de estudos sobre saneamento para o Instituto Trata Brasil.
Problemas recorrentes
Com as altas temperaturas, enfrentar dias de torneira seca vira um sacrifício ainda maior. Moradores de vários bairros da cidade relatam transtornos com a falta d’água. Na Zona Norte, alguns já convivem com o drama há quatro meses. Sem opção, muitas pessoas precisam encher baldes durante a madrugada. Nas casas, há garrafas e galões estocados, roupas sem lavar e louça suja empilhada nas pias. Além disso, tomar banho é uma tarefa difícil. O problema já dividiu até a família do eletricista Adriano da Silva Souza, de 43 anos, morador da Rua Pereira da Costa, em Madureira. Por causa da falta d’água, seus dois filhos e a mulher foram para a casa da sogra dele, em Campo Grande.
— Pago minha contas e estou sem água desde o dia 6 de novembro, mas a conta de R$ 249 já chegou. Minha família é obrigada a passar os dias na minha sogra — reclama Adriano, que tomou uma decisão radical. — Não vou pagar mais a conta.
A situação não é diferente para os moradores da Rua Ierê, em Vicente de Carvalho. A aposentada Maria Célia Gomes, de 63 anos, já fez um estoque de 12 baldes em casa. Ela conta que tem em casa um bebê de nove meses.
— Preciso ficar acordada até as 3h, quando a água começa a aparecer. Às 6h, já não cai nem mais uma gota. Já estou com esse problema há 15 dias — contou Maria Célia.
Em nota, a Secretaria estadual de Obras informou que o estado gastou R$ 327 milhões em obras de saneamento em 2013, dinheiro de recursos próprios e do governo federal. O órgão, no entanto, não detalhou em quais programas essa verba foi aplicada. Já a Cedae, cujo orçamento previsto para este ano é de R$ 5 bilhões, informou que os projetos de ampliação e modernização das redes de abastecimento de água já em curso e os que começarão em 2014 somam mais de R$ 2 bilhões.
A Secretaria estadual do Ambiente marcou para 11 de fevereiro a nova licitação para as obras de revitalização e recuperação ambiental das lagoas de Jacarepaguá. O secretário Carlos Minc cancelou o processo em julho do ano passado, depois de uma reportagem na revista “Época” ter levantado suspeita de fraude na licitação.
Campanha do Meu Rio chama atenção para falta de saneamento
Os banhistas do Posto Nove sofrerão um choque de realidade no dia 25. Problemas invisíveis, mas danosos à saúde e ao ambiente, serão expostos na areia de Ipanema por uma turma que vem aproveitando o verão para chamar a atenção para a questão do saneamento. Integrantes da rede de mobilização Meu Rio, que em setembro começaram uma campanha em espaços públicos da cidade para reivindicar 100% de tratamento de esgoto, vão espalhar pela areia desenhos gigantes de micro-organismos e privadas com seus canos ligados à água.
Com uma pegada de humor, a ação é apenas uma das muitas mobilizações do Meu Rio, que, durante a competição Rei e Rainha do Mar, em Copacabana, abriu dentro d’água uma grande faixa que dizia “100% de saneamento para o Rio é apenas o básico”. Hoje, cerca de cem mil pessoas fazem parte do Meu Rio.
— Obra de saneamento não dá voto, não é visível. A proposta é chamar a atenção para uma questão invisível de um jeito visível — explica a coordenadora de mobilizações do Meu Rio, Leona Deckelbaum, de 31 anos. — Vamos receber atletas para participar das Olimpíadas que vão ter que nadar e navegar em água suja. Nossa principal demanda é que o governador revogue o decreto que dá superpoderes ao presidente da Cedae, única empresa pública do mundo que não é fiscalizada.
O designer Cândido Azeredo, de 37 anos, é um dos idealizadores do movimento marcado para o dia 25:
— Serão duas ações nesse dia. Vamos fazer desenhos na própria areia das silhuetas dos vários micro-organismos patológicos que causam doenças em decorrência da poluição das águas. Vamos estampá-los na areia para que as pessoas vejam quais são os fungos e bactérias presentes em consequência da falta de saneamento. Também vamos colocar de três a oito privadas na beira do mar, com canos prolongados até a água. Isso é para os banhistas verem que, usando essas privadas, os dejetos vão de fato para a água da praia.
Fonte: O Globo – 09/01/2014