Por nenhuma razão previsível, o país deverá reduzir a produção de carros, pelo menos, nos próximos dez anos. Vai, isto sim, é produzir cada vez mais automóveis
O deputado Luiz Paulo Correa da Rocha, em recente visita ao seu antigo companheiro Eduardo Paes, advertiu-o para o risco de a derrubada da Perimetral vir a se transformar no seu sarcófago eleitoral. O que, segundo o deputado, seria lastimável, já que o prefeito é um dos quadros políticos mais promissores do Estado do Rio de Janeiro.
A razão da advertência reside no fato de que o tráfego nas cidades brasileiras vai piorar muito nos próximos anos. Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, segundo o Denatran, a frota de todos os veículos cresce a uma taxa da ordem de 6% ao ano. Em 2011, foram perto de 240 mil veículos, ou 20 mil em média, a mais, por mês, nas ruas. Como resultado, todos os grandes problemas de mobilidade que, daqui para a frente, ocorrerem na cidade do Rio de Janeiro e municípios vizinhos, decorrentes ou não decorrentes da derrubada do viaduto, vão acabar na conta do prefeito. Cuja coragem, a propósito, não há como se deixar de reconhecer.
O discurso dos defensores da derrubada, que classifica os críticos da medida como adeptos do automóvel, também não ajuda muito. Primeiro, por ser a premissa falsa, uma vez que quem condena a destruição daquele importante patrimônio público não é, necessariamente, a favor do uso indiscriminado do transporte individual. Segundo, porque tal discurso amplia e aglutina as hostes adversárias. E, terceiro, porque a supressão de espaço viário não induz, de forma eficaz, à necessária substituição do automóvel pelo transporte público, se este não for de muito boa qualidade. Em suma, tanto a ação quanto o raciocínio subjacente ao discurso dos agentes da derrubada são irrealistas e contraproducentes.
São irrealistas porque não levam em consideração as razões econômicas que impulsionam a indústria automobilística no Brasil e no mundo. Por nenhuma razão previsível, o país deverá reduzir a produção de carros, pelo menos, nos próximos dez anos. Vai, isto sim, é produzir cada vez mais automóveis. Tanto que estão programados investimentos da ordem de R$ 50 bilhões até 2016 para aumentar em 60% a capacidade das montadoras brasileiras. E, contraproducentes, porque a piora da mobilidade, além de onerar, de varias formas, as contas públicas, gera intensa e crescente insatisfação popular.
Sun Tzu já dizia há 2.500 anos que os generais que ganham as batalhas não são os mais valentes, e sim os que fazem mais contas. E acrescentava que a primeira condição para o sucesso na guerra é reconhecer e valorizar a realidade. Infelizmente, essas regras milenares não estão sendo observadas pela administração municipal.
Tais considerações ganham relevância política atualmente, sobretudo no âmbito regional. Se as questões da saúde e da educação em nosso país são de suma gravidade, o problema da mobilidade em nossas cidades não fica atrás. Da perspectiva eleitoral, é de basilar importância para os políticos uma ênfase especial nos problemas de movimentação das pessoas nos grandes centros urbanos do país. Porque o cidadão somente é incomodado pelas carências dos nossos sistemas de saúde quando fica doente ou tem alguém enfermo na família. E isso normalmente ocorre apenas de tempos em tempos. Fenômeno parecido acontece com as falhas do sistema educacional, que afeta diretamente a vida das pessoas apenas em circunstâncias e ocasiões particulares.
Já com a mobilidade, a exasperação é diária. De manhã à noite. A maior parte da população (em todas as suas camadas), nas grandes cidades, está enlouquecida com os problemas de mobilidade. E isso vai pesar muito na hora do voto. Assim, só mesmo parodiando James Carville, ex-assessor de Bill Clinton, na campanha de 1992: “É a mobilidade, cara.”
Por Marcos Poggi / Jornal O Globo / 06/11/2013