A Revista da OAB-RJ publicou, em sua coluna Pontocontraponto, na edição de novembro/2012, as opiniões do deputado Luiz Paulo e do Prof. Daniel Aarão Reis (Professor de História Contemporânea na Universidade Federal Fluminense), sobre o tema: Financiamento público das campanhas eleitorais. Acompanhe as duas opiniões abaixo, que apresentam importantes pontos de divergência sobre o assunto.
Financiamento privado criou uma das principais portas de entrada da corrupção
Daniel Aarão Reis*
É consenso que nosso sistema político carece de profunda reforma. Organização e fidelidade partidárias, duração dos mandatos, quocientes eleitorais, coligações, é todo um arcabouço que merece ser avaliado e transformado. Entre estas questões está a do financiamento das campanhas eleitorais.
Prevalece, hoje, o financiamento privado. Há regras legais que tentam discipliná-lo, mas tão frouxas que são raríssimos os que não as desrespeitam, disseminando-se o chamado “caixa 2”, autêntica instituição nacional.
O “crime eleitoral” é ave comum, justificado em nome de “altos” interesses políticos. Por outro lado, as penas foram engenhosamente imaginadas para prescreverem antes que os “últimos recursos” sejam julgados.
O mais grave é que a banalização do “mal” (“se todos fazem, por que não vou fazer?”) vai corroendo o prestígio da democracia. Desmoralizados os políticos, engrossam as fileiras das abstenções, votos nulos e em branco. O desencanto atinge mesmo os que ainda comparecem às urnas.
Denúncias e julgamentos podem atenuar os efeitos da situação mas, se não forem efetuadas reformas, lembram os trabalhos de Sísifo, ou, para usar outra metáfora, enxugar a água do chão, quando as torneiras estão abertas.
As “torneiras abertas” têm nome: o financiamento privado das campanhas. Através dele, criou-se uma das principais “portas de entrada” da corrupção de nosso sistema político-eleitoral. E o pior: os mandatários tornam-se reféns dos “doadores” privados.
Para superar a situação, trata-se de instituir o financiamento público. A rigor, este tipo de financiamento já existe: os dinheiros alocados aos “fundos partidários”, segundo a força relativa de cada partido, assegurado patamar mínimo, e o horário gratuito para a propaganda atestam a incidência salutar do financiamento de caráter público. Não há aí margem para o “caixa dois”. E o filiado insatisfeito com o modo como o seu partido distribui os recursos pode cair fora e se inscrever em outro.
Trata-se de radicalizar a noção do financiamento público. Estendê-la a todas as atividades político-partidárias. Tolerância zero com o financiamento privado, com penas imprescritíveis para dissuadir os espertos de sempre. Complementada com a exigência da prestação de contas on-line. A cada despesa, um registro eletrônico.
O financiamento público não é uma panacéia, devendo inserir-se no contexto de uma profunda reforma política. Mas é um elo decisivo na recuperação do prestígio da democracia, essencial à sua preservação e consolidação.
* Professor de História Contemporânea na Universidade Federal Fluminense (UFF)
Grandes partidos seriam beneficiados em detrimento de outros, menores
Luiz Paulo Corrêa da Rocha*
Muito se comenta sobre o financiamento público de campanhas, mas pouco se sabe sobre o real teor da proposta. O financiamento seria um fundo de recursos públicos destinados a partidos políticos para que estes produzissem suas campanhas eleitorais. Financiamento público de campanha só é possível existir com a escolha do candidato proporcional no sistema de lista fechada. Isto é, pede-se voto na lista e não no candidato.
Como se ter financiamento público de campanha com um sistema de lista aberta com mais de 30 partidos políticos? Tomando-se como exemplo a cidade do Rio de Janeiro, com 1713 candidatos a vereador, derivados de excesso de partidos políticos e coligações, a emenda seria pior que o soneto, pois se teria o financiamento público e o privado (ilegal) das campanhas.
Falar em financiamento público de campanha justamente no momento em que o descrédito no processo político aumentou com o crescimento significativo da abstenção e dos votos nulos e brancos, na ordem de 37%, nas eleições proporcionais! Impõe lembrar que a ação penal 470 (“Mensalão”) do STF condenou membros da cúpula dirigente petista e membros de outros partidos, por formação de quadrilha e corrupção ativa.
Antes da discussão sobre financiamento público e lista fechada, faz-se necessário acabar com as coligações proporcionais, criando-se cláusulas de barreira para a existência de partidos, diminuindo-se o número de candidatos por partido e adotando-se o voto distrital misto.
Além do mais, grandes partidos serão beneficiados em detrimento de outros partidos menores. E isso acabará com aquelas contribuições menores, de pessoas físicas que acreditam na ideologia dos partidos.
Sem contar ainda com a hipótese do “caixa dois”, ilegal, mas infelizmente utilizado em algumas campanhas políticas, que poderá ser prática de difícil constatação criminal, pois, sem poder uma empresa ou pessoa patrocinar a campanha de um partido ou de um candidato, esse financiamento poderá ser, sob riscos e penas, realizado “por baixo dos panos”. Ou seja, engana-se quem acha que isso acabará com a corrupção eleitoral no país. Ela poderá se tornar virulenta.
* Deputado estadual (PSDB)