O governo do estado do Rio de Janeiro decidiu, na semana passada, suspender todos os contratos com as empresas relacionadas ao escândalo das licitações, denunciado em reportagem da “Rede Globo”. Na matéria, responsáveis pelas empresas Locanty, Toesa, Bella Vista e Rufolo foram flagrados em vídeo negociando propinas para garantir a vitória nas licitações.
O problema é que, apesar de indicar bom senso ao afastar as empresas envolvidas, o governo continua contratando outras gigantes das licitações sob as quais pesam acusações ainda maiores. Entre elas está a Facility, líder de contratações no governo de Sérgio Cabral. Só nos últimos cinco anos, a empresa arrecadou R$ 2 bilhões em licitações, tudo isso com a Justiça em seu encalço.
No ano passado, o Ministério Público do Rio apresentou à Justiça denúncia contra a Facility e seu dono, o empresário Arthur Cezar Soares, por formação de cartel. A empresa é acusada de fazer exatamente o que Locanty, Toesa, Bella Vista e Rufolo faziam quando foram flagradas em vídeo: forjar concorrência entre empresas para vencer contratos.
No caso da Facility, o cartel foi formado no Detran, que deu R$ 701 milhões à empresa entre 2003 e 2009, o que representa 42% de todos os contratos assinados pelo órgão. De acordo com o Ministério Público, a fraude do grupo Facility era grosseira. A falsa concorrência montada no cartel incluía propostas idênticas até na elaboração do projeto, sem qualquer preocupação em esconder a semelhança.
Contratos da Toesa com o governo do estado do Rio foram suspensos
A relação do governo estadual com a Delta Engenharia é ainda mais comprometedora. Entre 2007 e 2010, a empresa soma cerca de R$ 1 bilhão em contratos com o estado. Do total, R$ 58 milhões foram feitos sem licitação. Na Cedae, a Delta ainda conseguiu a renovação de R$ 377 milhões em contratos sem concorrência para fornecer os novos hidrômetros.
Tudo isso impulsionado pela estreita amizade entre o governador Sérgio Cabral e o dono da Delta, Fernando Cavendish. A ligação dos dois, mantida sob debaixo dos panos por algum tempo, ficou explícita graças à queda de um helicóptero na Bahia. Na ocasião, Cabral estava junto de Cavendish para comemorar o aniversário do empreiteiro. O acidente, inclusive, vitimou a namorada do filho do governador, Marco Antônio Cabral.
No âmbito municipal, é difícil não esquecer da Carioca Christiani Nielsen Engenharia. Uma das principais doadoras da campanha eleitoral de Eduardo Paes, em 2008, a empresa recebeu da prefeitura um contrato sem licitação no valor de R$ 16 milhões para a construção de um hospital na Ilha do Governador. Questionada sobre a razão pela qual a licitação foi dispensada, a Secretaria de Obras informou que o hospital é uma obra emergencial para impedir uma epidemia de dengue na região.
Além dos exemplo no Rio de Janeiro, empreiteiras como Odebrecht, Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e OAS Engenharia são alvo de acusações semelhantes e continuam sendo contratadas por governos de todo o país. Em São Paulo, a Justiça, inclusive, aceitou denúncia de cartel contra essas empresas nas obras do metrô.
Em 2010, a Camargo Corrêa foi o principal foco da Operação Castelo de Areia, da Polícia Federal. O objetivo da ação era apurar denúncias do Ministério Público Federal em São Paulo, que viu indícios de suborno a políticos e associação entre empresas para fraudar licitações. Já a Odebrecht é acusada até de usar trabalho escravo em Campinas.
Deputados minimizam reação do governo
Entre os parlamentares de oposição na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, predomina a certeza de que o governo do estado só reagiu às denúncias contra Locanty, Toesa, Bella Vista e Rufolo graças ao impacto que a reportagem da “Rede Globo” teve.
“Eu verifico que as empresas flagradas pela TV, com indícios claros de lesão aos cofres públicos, impactou a sociedade. O governo só resolveu dar uma resposta pela repercussão, ao contrário do que ocorreu nos outros casos. Há que se ter fundamento jurídico para romper contratos. Esse tipo de desvio deve ser extirpado da nossa sociedade”, avaliou o deputado Luiz Paulo (PSDB). Clarissa Garotinho (PR) partilha da mesma opinião.
“Acho que o governo só resolveu agir por conta da proporção que essa denúncia tomou na sociedade. O problema não é a empresa vencer a licitação e trabalhar, como acontece em diversos casos. O problema é o pagamento de propina e o assalto aos cofres públicos. Por isso, achei muito estranha essa atitude do governo, porque parece uma declaração de que também houve fraudes nas licitações com o estado. Isso deve ser apurado atentamente”, disse a deputada.
Fonte: Jornal do Brasil