O assassinato de Mãe Bernadete, por Luiz Paulo
Sr. presidente do expediente inicial, deputado Val Ceasa, sras. e srs. deputados que nos acompanham de forma presencial ou remota, sras. e srs. telespectadores da TV Alerj, sra. intérprete da língua de Libras, que leva a nossa voz às pessoas com deficiência auditiva, minhas saudações.
Na sexta-feira passada, participamos de audiência pública, presidida pelo deputado Carlos Minc, para discutir projeto de lei que tramita nesta Casa, que já foi emendado, sobre o reconhecimento fotográfico para desencadear ações investigativas criminais e o processo falho que existe em relação a se usar só esse item como prova para prisão, e as milhares de injustiças que já foram cometidas. Isso tudo se caracteriza por um racismo estrutural.
Como brasileiro que sou estou indignado e consternado
Discutíamos esta questão e fomos surpreendidos, mais uma vez, com um assassinato violento que se deu na cidade de Simões Filho, na Bahia. É sobre este tema que vou usar a tribuna, para me pronunciar não somente como representante do povo do Estado do Rio de Janeiro, mas, principalmente, como um brasileiro que sou, indignado e consternado com o abominável assassinato da líder quilombola Maria Bernardete Pacífico, conhecida como mãe Bernardete, ocorrido na noite da última quinta-feira, 17/08, dentro do quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador. Foi assassinada a tiros, crime encomendado.
Perdemos mulher de grande sabedoria
Mãe Bernardete não era uma desconhecida. Por sete anos, ela serviu ao município de Simões Filho como secretária de políticas de promoção e igualdade racial. Ela era do candomblé, era ebomi do candomblé, isto é, era mulher experiente na religião e de idade avançada, visto que foi assassinada aos 72 anos. Era uma mulher de grande sabedoria e tinha muita responsabilidade na sua área espiritual.
Sempre em defesa dos necessitados, principalmente os quilombolas
Além disso, ela se empenhava profundamente nas demandas por políticas públicas para os mais necessitados, principalmente, para a população quilombola, defendendo casas de farinha móvel, projetos agroecológicos sustentáveis, artesanato para as mulheres quilombolas, e feiras de agricultura familiar. Isto é, era uma mulher que lutava pelo sustento das famílias quilombolas.
Estava no programa de proteção e foi assassinada
Tornou-se um farol de resistência, enfrentando madeireiros ilegais que ousavam invadir e explorar ilegalmente o território quilombola, uma área de proteção ambiental. Não é surpreendente, portanto, que essa corajosa mulher, negra, defensora dos direitos humanos, tenha sido ameaçada e, mais do que ameaçada, assassinada. Aliás, seu próprio filho, também, foi cruelmente executado no mesmo quilombo, há seis anos. E, infelizmente, fazia parte do programa de proteção aos defensores dos direitos humanos e, mesmo fazendo parte do programa de proteção, foi assassinada.
Racismo estrutural
A história de Mãe Bernadete é um reflexo perturbador do que chamamos e comprovamos de racismo estrutural, que se perpetua em nosso estado e em nossa nação como um todo. É um grito doloroso que nos chama à ação, nos lembrando de todas as vidas quilombolas que são constantemente marginalizadas, silenciadas e brutalizadas por um sistema que se mostra cego à sua existência e à inestimável contribuição cultural.
Exigimos justiça
Não estamos aqui apenas para lamentar; estamos aqui para exigir justiça, para clamar por mudanças, para instigar a população a se levantar, a protestar, a contestar o racismo estrutural existente. É imperativo que políticas públicas efetivas sejam implementadas para proteger e valorizar as comunidades quilombolas e a todos aqueles que lutam por um país melhor e são ameaçados por isso.
Resistência às invasões de áreas quilombolas
Mãe Bernadete foi assassinada e o seu filho também o foi, por serem resistentes às invasões das áreas quilombolas de proteção ambiental na Bahia de São Salvador. A memória e o legado de Mãe Bernadete devem servir como eterno lembrete da nossa luta por justiça, equidade e igualdade. Que sua trajetória inspire cada um de nós a combater o racismo, a ignorância e a indiferença e que seu nome, e de tantos outros, que foram vítimas de intolerância, sejam eternizados como símbolo de resistência e esperança.
Não podemos aceitar essa violência
Fica aqui meu protesto e, ao mesmo tempo, a minha conclamação, que não podemos aceitar que, no Brasil de 2023, a população quilombola seja expulsa das suas terras, que sofra toda sorte de violência e seja assassinada. A população quilombola faz parte do nosso processo cultural brasileiro. Nós, brasileiros, descendemos, grande parte de todos nós, da matriz africana. Os quilombolas se estruturaram, nestas terras, a partir de fugas da escravidão e até mesmo aumentando o volume de negros nos quilombos, quando se deu a dita libertação dos escravos. Mas se continuou, como continua até hoje, essa indigna perseguição à comunidade quilombola e esse preconceito estrutural, racial, tão arraigado, que se manifesta de diversas formas, até mesmo provocando assassinatos.