Faço uma saudação à senhora intérprete da linguagem de libras que, em todos os momentos, traduz nossas palavras para que os surdos possam nos entender.
Hoje, lendo o Jornal O Globo, verifico um artigo de fundo, o editorial, com a seguinte manchete: “Alerj põe em risco acordo com a União ao reduzir medidas de austeridade”. E como subtítulo: “Contenção de gastos é fundamental para que o Rio possa aderir ao novo Regime de Recuperação Fiscal”.
Advogo a liberdade de imprensa
Sempre advogo a grande liberdade que tem que ter a nossa imprensa, até porque cumpre papel fundamental na ajuda a fiscalizar os poderes e, também, de firmar seus pontos de vista em relação a qualquer tema e propagar a notícia com ampla liberdade. Então respeito profundamente o artigo de fundo do Jornal O Globo. Mas quero tecer alguns comentários.
O “pacote das maldades” foi mitigado
Na última terça-feira, quando aqui se aprovou a mitigação do “pacote das maldades” naquilo que foi possível e mantendo-se as premissas básicas das três legislações do Regime de Recuperação Fiscal, ou seja, a Lei Complementar 159/2017, a Lei Complementar 178/2021 e a Lei Complementar 181/21, ocupantes das galerias nos vaiaram. Outros, até em plenário, fizeram discursos contundentes. Uns até gritaram que “Quem vota “não”, não volta”.
Não colocamos em risco o acordo, mitigamos os danos
Meu primeiro comentário trata do que afirma o Jornal O Globo em sua manchete: que o que aprovamos coloca em risco o acordo com a União. Não coloca em risco, porque cumprimos os preceitos das três leis complementares. Não vamos nos render à troika do Regime de Recuperação Fiscal, porque, em termos de legalidade, vale o que está escrito nas leis complementares e não os sonhos de alguns fiscalistas de, definitivamente, acabarem com o serviço público no estado do Rio de Janeiro.
A Assembleia teve o equilíbrio, neste caso específico, de mitigar os danos, isto é, fazer de um pacote extremamente danoso para o funcionário público um pacote que pudesse manter o estado no Regime e não fosse tão gravoso para o nosso funcionalismo.
A Alerj teve iniciativas de aumento de receita
O segundo comentário é que este artigo só fala que a contenção de gastos é fundamental, não faz nenhum comentário sobre a imperiosa necessidade de aumento da receita. Queria lembrar que não houve nenhuma matéria favorável, quando, no ano de 2019, propomos, e virou lei, a renovação do Fundo Estadual de Combate à Pobreza com a inclusão de mais 2% nas alíquotas, que estavam naquela época só em 2%, para passar para 4%, que incidiriam sobre energia e telecomunicações. Não teve uma linha favorável, porque recriamos o Fundo Orçamentário Temporário – FOT, que hoje nos assegura uns R$ 500 milhões por ano, e o Fundo Estadual de Combate à Pobreza mais de R$ 5 bilhões. Destaque-se, portanto, que foi iniciativa da Alerj o aumento de receita.
Crise fiscal é crise de despesa e de receita
Crise fiscal é crise de despesa, mas também é crise de receita. Todos só falam em reduzir despesa, mas nada falam sobre como as fazer crescer. No entanto, o que mais discutimos é como fazê-las crescer.
Ações para aumento de receita
Com esse objetivo – fazer crescer as receitas, apresentei projeto de lei nesta Casa. Algumas questões podem ser levantadas. Primeiro, como rever todas as contrapartidas empresariais que foram prometidas, e estão escritas e assinadas, em relação aos benefícios fiscais concedidos. Pensemos: se um setor empresarial recebeu benefício fiscal e teve como contrapartida investir mais, gerar mais emprego, aumentar a renda da população ou crescer o ICMS, é necessário que se verifique se isso aconteceu; se não aconteceu, não há por que ter o benefício fiscal. Então, essa revisão é o primeiro ponto.
Rever a lei do ICMS
Em segundo lugar, há necessidade imperiosa de fazer simplificação na lei do ICMS, que é a Lei 2657/96, muito complexa e, como é de 1996, já sofreu muitas mudanças. Portanto, ao fazer essa revisão, principalmente com enfoque de termos as alíquotas efetivas e não alíquotas fantasiosas, que, na prática, não existem, porque já foram profundamente reduzidas por uma avalanche de benefícios fiscais concedidos.
Ainda mais: a necessidade imperiosa do governo, do poder executivo e do poder legislativo construírem, em uma matriz insumo produto, com sólido banco de dados, para que possam ser simuladas todas as hipóteses de desenvolvimento deste estado e o impacto que isso pode dar, positiva ou negativamente, nas receitas. Em função desse instrumento, o estado ter plano estratégico de estado, não de governo, de desenvolvimento econômico-social pelo menos por uma década, para que tenhamos um horizonte.
Para o estado crescer, o Brasil precisa crescer
Mas ainda há mais: para o estado crescer é preciso que o Brasil também cresça. O PIB do estado não cresce dissociado do PIB nacional. E hoje o que nós estamos vendo é um Brasil estagnado, com a inflação já passando da casa dos dois dígitos.
É preciso, portanto, que sejam citadas estas questões, porque senão a análise fica muito primária. Tenho aqui em mãos um gráfico que foi estruturado já há algum tempo pela secretaria de fazenda sobre a dívida pública estadual e como enfrentar essa dívida pública nos próximos anos, até 2030.
A dívida do estado é impagável
Fica demonstrado, claramente, que a dívida do estado é impagável. Se estivermos fora do Regime, temos que pagar ano a ano, a partir de 2022, R$ 83 bilhões. Sendo que, nos três primeiros anos, 2022, 2023, 2024, teremos que pagar R$ 63 bilhões, o que dá média de R$ 22 bilhões por ano. Fica a pergunta: o estado tem como pagar R$ 22 bilhões/ano? Não, seria uma tragédia. E esse valor foi calculado pela fazenda quando o dólar ainda não tinha batido a casa dos R$ 5,00, porque hoje já passou de R$ 5,40. Não podemos esquecer que nossas dívidas têm o componente de moeda estrangeira, dólar, libra e iene. Por via de consequência, com a derrocada do país, o valor dessa dívida só faz subir.
Renovação do RRF – equilíbrio e bom senso
Se renovarmos o Regime de Recuperação Fiscal, a dívida será suspensa por nove anos. Entretanto, passará a ser dívida de mais de R$ 172 bilhões. Por isso, digo que é impagável. Se não entrarmos no Regime, economicamente faleceremos no ano que vem. Se entrarmos no Regime, economicamente vamos falecer em nove anos, em 2030. Por via de consequência, temos que manter a esperança de que, nesse meio tempo de nove anos, possamos encontrar equação desenvolvimentista que faça com que possa crescer nossa receita, mantendo funcionalismo público ativo, produtivo e que preste os serviços públicos de qualidade à população, principalmente nas áreas de saúde, educação, ciência e tecnologia e segurança pública, para não falar em outras áreas também fundamentais. Conclui-se que é preciso equilíbrio e bom senso para enfrentar o problema. O que torna tudo mais difícil nestes tempos.
Os extremos se nutrem
Se, na terça-feira, a Assembleia Legislativa tivesse votado pela rejeição das propostas tinha acabado o Regime. Qual a equação que se teria para pagar, no mínimo, no ano que vem, R$ 22 bilhões de serviço da dívida? Não teria. Se aprova a proposta original, chamada corretamente de “pacote das maldades”, se exterminaria o serviço público estadual. Ao buscamos o caminho do meio, o equilíbrio, o bom senso de mitigar os problemas, os dois extremos não ficaram satisfeitos, porque os extremos se nutrem.
Nem estado mínimo, nem estado máximo
Este editorial de hoje no Jornal O Globo, que é nada mais nada menos que a linha adotada por Paulo Guedes a favor do estado mínimo, não convém ao Brasil nem a nenhuma unidade federativa. Precisa ser rejeitado por sua linha fiscalista. Mas, também, não serve a linha do estado máximo, que muito poucos aqui também defenderam. Na verdade, precisamos do estado necessário para prestar serviço público de qualidade à população. E, no estado necessário, obrigatoriamente, precisa equipar com funcionário público de qualidade a educação, saúde, segurança pública, ciência e tecnologia, e, evidentemente, aqueles agentes públicos que têm poder de príncipe, que não podem estar sujeitos a influências e decisões de terceiros, que são o poder judiciário e o próprio poder legislativo, o Tribunal de Contas, Ministério Público e Defensoria Pública. E foi esse caminho que escolhemos para trilhar. E, evidentemente, os dois extremos não estão felizes, porque se completam por serem extremos.
A questão do concurso público
E, para concluir, fiquei perplexo, porque o secretário de fazenda encaminhou ofício a todos os poderes que dissessem das suas necessidades de concurso público e do poder executivo poucos órgãos pediram concurso público. Polícia Civil, Polícia Militar, Santa Cabrini e a Uezo, somente. O nosso Theatro Municipal precisa completar seu quadro, seu corpo artístico, há muitos anos, e não teve nenhuma menção sobre isso de origem da secretaria de cultura, porque talvez não entenda a importância estratégica para a cultura, para a cidade do Rio de Janeiro, para o estado do Rio de Janeiro, do Theatro Municipal. É uma lástima!
Tempos sombrios
Estamos vivendo tempos tão sombrios, tempos tão cheios de névoa, em que gestores e muitos desta sociedade, felizmente não a maioria, lutam somente por antagonismos, por visões pessoais, esquecendo-se de ver o todo. Nossa sociedade é multifacetada e não é possível nenhuma unidade federativa se salvar se o Brasil não se salvar junto. Não somos uma ilha dentro do país. E, o pior, é que, quando o país cresce, o Rio de Janeiro cresce menos. Quando o Brasil decai, o Rio de Janeiro cai mais ainda. Por isso, volto a insistir, enquanto não tivermos um plano de estado estratégico de desenvolvimento econômico e social, continuamos iguais a uma barata ferida, que não sabe nem para onde vai.