Pela manhã recebi dados atualizados em 23 de março de 2021, ontem, portanto, sobre ocupação dos leitos por Covid do estado do Rio de Janeiro, envolvendo todas as regiões. E, na média, até às 18 horas de ontem, as UTIs, unidades de tratamento intensivo, de todo o estado estavam ocupadas em 89%. As enfermarias, leitos de enfermaria estavam ocupados em 78%, aproximando-se daquele patamar de risco absoluto, que é o superior a 80 pontos percentuais. A fila da UTI tinha 468 pessoas e a fila de enfermaria 169 pessoas. As duas filas, portanto, somavam 637 pessoas.
Dados de óbitos e contaminados têm desfocado os de taxa de ocupação de leitos e UTIs
Informo estes dados, porque, muitas vezes, focamos a Covid nos dados de óbitos e de contaminados. E, no Rio de Janeiro, os óbitos já passam de 35 mil e os contaminados já passam de 600 mil. No entanto, os dados de taxa de ocupação são importantíssimos, porque apontam que estamos, aqui no Rio de Janeiro, à beira de colapsar. Os dados que informo são oficiais. Pode ser até que estejam piores do que isso, porque, do dia 22 para o dia 23, o crescimento de ocupação foi na ordem de 27%. Isso representa dizer que tendemos a chegar na próxima segunda-feira com os limites esgotados.
A meta deveria ser variedade e quantidade de vacinas
Verifico que as recomendações que não foram adotadas pelo governo federal nos levaram a esse caos. Se, desde a metade do ano passado, tivesse sido definido que a meta fundamental era vacinar, vacinar e vacinar, teríamos variedade e quantidade de vacinas. E poderíamos ter começado as campanhas de vacinação ainda em novembro, quando a demanda era menor. Mas começamos tardiamente, com volume de vacinas muito pequeno e muita contaminação.
Quem sustenta a vacinação de brasileiros e o Butantan e a CoronaVac
Hoje, apesar de se anunciar compra de milhares e milhares de vacinas, do ponto de vista concreto, quem está sustentando a produção de vacina com números ainda insuficientes é o Butantan com a CoronaVac. A própria Fiocruz é dependente da importação do insumo básico da China, que é o compilado da vacina AstraZeneca, e o laboratório indiano teve sinistro e está com a sua produção abaixo do que tinha definido. Então, os insumos começam a sofrer atraso. Vacina da Pfizer, da Janssen possivelmente só no segundo semestre; a vacina da Sputnik ainda não tem previsão. Enfim, é o Butantan que sustenta em maior volume e, em segundo lugar, Manguinhos, a nossa Fiocruz, com a vacina da AstraZeneca.
Poderíamos vacinar 1 milhão por dia se tivéssemos vacina
Mas, mesmo assim, ontem, esse número diário de vacinados chegou a 500 mil. Há quatro, cinco dias o número que se batia era de cem mil por dia. Hoje, são 500 mil. Evidentemente, pela chegada da vacina. Se as tivéssemos em maior volume, o Brasil era capaz de já estar vacinando 1 milhão, ou, até, perseguir 2 milhões. Os Estados Unidos, por dois dias seguidos, e não quero simplesmente comparar, vacinou 3 milhões de pessoas por dia. O Brasil, com sua capilaridade de rede, atingiria, segundo os infectologistas, facilmente 1 milhão de vacinados por dia. Esta é a minha primeira questão.
E a permanente desmoralização do uso de máscaras?
A segunda é o uso de máscaras. O desde o início, esse uso foi profundamente desmoralizado pelo próprio presidente da república federativa do Brasil, que fazia questão de, em público, não usar máscara e se aglomerar, dando exemplo para a população, negativo obviamente, e ainda ridicularizava, chamando, no mínimo, de frágil quem tinha medo da gripezinha. Esse uso foi, então, perdendo sua força e sendo colocado de lado. Ouço, às vezes, dizer que isso acontece na população menos esclarecida. Será que o presidente da república pertence ao grupo da população menos esclarecida? E seus assessores, alguns ministros, ajudantes de ordens? É claro que não. Foi decisão consciente, negacionista de não reconhecer o que a ciência estava recomendando. Também não adianta fazer pesquisa para saber se a máscara é ou não usada, porque a grande maioria vai dizer que usa. E alguns, mesmo entre os têm até mandato parlamentar, dirão que não a usam, porque têm asma. Então não deveriam estar em reuniões presenciais e sim nas remotas, para proteger a si mesmo e os outros, aqueles que estão do seu lado. O movimento negacionista ajudou bastante esse processo de relaxamento e contaminação.
A subordinação da pandemia à economia é mortal para os brasileiros
E, finalmente, aqueles que se intitulam os grandes conhecedores da economia vêm dizer que a pandemia deveria subordinar-se à economia. Em consequência desta análise, as políticas de restrições de estados e municípios foram duramente castigadas. Muitos governantes, como vemos no Rio de Janeiro, negam as medidas mais restritivas, porque querem ficar bem com o Palácio do Planalto, não se importando de ficar de mal com a população. E ainda dizem que aqueles que falam em restringir são os que têm bastante renda. Mas quem fala em restringir não são parlamentares ou pessoas avulsas da sociedade; quem fala em fazer restrições é a ciência, os cientistas, os infectologistas, os médicos, os enfermeiros, são aqueles que sabem trabalhar com pandemias. Estamos apenas seguindo a ciência, e é claro que o vírus fica muito feliz com essas estapafúrdias interpretações, porque quer se multiplicar; e nem precisa criar variante O que o vírus vê no Brasil, na atitude das autoridades e de muitos outros ditos formadores de opinião, é campo fértil para se multiplicar.
O número de mortes diárias é assustador
E o que nos resta nesse momento? O Brasil, mesmo que tenha dados acumulados das últimas 48 horas, bateu três mil mortos. Lembro-me, ano passado, quando a Itália e a França chegaram ao pico da pandemia, e anunciaram 700 mortos, 750 mortos. Eu ficava perplexo. Agora, na realidade do Brasil, ontem, foram 3.250 mortos aproximadamente. É algo assustador. E começa a ficar banalizado e tende a reduzir o impacto emocional em muitos de nós. Não podemos permitir isso.
As restrições precisam existir em todo o país
O único caminho que verifico é que houvesse o mínimo possível de unidade nacional com políticas de restrições sérias e que se cogitasse essas restrições para o Brasil como um todo, guardando as especificidades regionais, como é necessário; que houvesse política unificada para todo mundo entender que esse é o caminho, e não ações isoladas de prefeitos, ou de um governador aqui outro acolá. Isso provoca desconfiança. Quando governadores resolveram se unir e restringir, o presidente da república arguiu a decisão no Supremo Tribunal Federal. Não é assim que se reduz os efeitos da pandemia. Quanto mais se alastra, mais a economia desaba. Então, primeiramente a vida; as outras coisas se agregarão a ela.