Quero discutir, neste momento, o drama que vivemos hoje, o da falta de água. Possivelmente, temos mais de 1 milhão de pessoas com problema de abastecimento de água. E por quê? Desde que começou a crise da geosmina, tenho demonstrado que o Sistema Guandu e a Estação Elevatória do Lameirão são conjunto planejado, construído e inaugurado no governo de Carlos Frederico Werneck de Lacerda, que terminou a gestão nos idos de 1965 e foi sucedido por Negrão de Lima, ainda no antigo Estado da Guanabara. Foi obra coordenada pelo então engenheiro Veiga Brito, que chegou a ser presidente do Clube de Regatas do Flamengo.
Sistema do Guandu e Lameirão têm 55 anos de existência
De 1965 para 2020, são 55 anos de existência. É um sistema, tanto no que se refere à estação de tratamento de água, quanto no que se refere ao bombeamento, que está com vida útil quase no limite. Quem já visitou a estação de bombeamento do Lameirão, e eu o fiz por diversas vezes, sabe que é uma grande caverna com mais de 80m de altura dentro da rocha; e as bombas de sucção que bombeiam para o conjunto da cidade e da Baixada via túneis, adutoras etc são feitas para esse sistema, que tem no mínimo uns 15m de altura.
A necessidade inequívoca de bomba reserva
Então, aquele sistema precisa ter sempre bomba reserva, totalmente revista e pronta para entrar em ação. Precisa ter manutenção corretiva incessante – quem sabe até já estejam na época de serem substituídas por outras, a serem fabricadas sob medida, porque são bombas que têm componentes de cobre; não é nada fácil e não existem em prateleira de empresa alguma do mundo.
O que aconteceu? A bomba reserva não foi recuperada; uma das bombas que estava operando pifou e o sistema não dá mais conta de bombear para o conjunto da cidade e para a Baixada. E aí entra em colapso.
1ª questão: não houve investimento, mesmo havendo lucro
Eu me pergunto sobre duas questões. Por que isso aconteceu, se a Cedae é empresa lucrativa que, no último ano, deu lucro de R$ 1bilhão? Aconteceu, primeiramente, porque esse lucro não retornou para ser investido na Cedae; ficou na mão do Estado. Em segundo lugar, porque os últimos dirigentes, principalmente o penúltimo, pegou a Cedae num período em que a direção estava tisnada de cabo a rabo pela corrupção. Sob o comando de quem? Do pastor Everaldo. E quem está dizendo isso não sou eu; são as delações premiadas, são as delações espontâneas. É a investigação do Ministério Público Federal que afirma que o pastor Everaldo tinha o controle e domínio da Cedae, do Detran e de parte da Secretaria de Saúde. Repito aqui o que li nas denúncias.
2ª questão: CEDAE como instrumento político
A segunda questão de que trato aqui é que a Cedae foi usada por sua direção, nesses últimos dois anos, mas não só, como instrumento político e como instrumento para se conseguir fazer com que a Cedae fosse rentável na propina.
Tentativa de comprovar incompetência para vender?
E aí me pergunto: será que também não deixaram isso acontecer, porque queriam levar a Cedae para o buraco, como aconteceu, quando do caso da geosmina, em que também os raspadores do fundo, do lodo, da estação de tratamento do Guandu, foram retirados, porque envelheceram, não serviam mais, e não colocaram outros? Será que isso não foi feito de propósito para criar clima de que a Cedae é totalmente incompetente para gerir o saneamento para poder vendê-la?
Se essa hipótese for verdadeira é um crime absurdo, tanto a crise da geosmina quanto a crise do Lameirão agora, porque tem um preço alto, que é pago pela população fluminense, principalmente a da região metropolitana e da cidade do Rio de Janeiro.
O falho modelo do BNDES impede a reforma profunda do Sistema
Mas tem algo a mais. Nessa modelagem feita pelo glorioso BNDES, a Cedae vai continuar a existir; ficará com a captação, o tratamento e o bombeamento. Então, na região metropolitana do Rio, abstraindo-me do sistema Imunana-Laranjal em São Gonçalo, a Cedae vai continuar com o sistema criado em 1965: Guandu–Lameirão. E ela terá, por ano, valor que não lhe permitirá, como está nessa modelagem, fazer reforma profunda desse sistema. Vai, então, caber ao Estado, se o sistema colapsar, como está demonstrado em 2020 por duas vezes – no início do ano com a geosmina e agora com o Lameirão – ao Tesouro colocar dinheiro lá. Não é a iniciativa privada, que ficará encarregada somente das áreas de distribuição. Esta é questão seríssima.
A crise é séria
Essa crise é de grande seriedade. Vejo com desconfiança. Porque tenho lido, quase diariamente, tudo o que aconteceu de denúncia, de delação neste ano de 2020 por causa da crise da saúde. E chega também na Cedae. Mas não é no conjunto dos funcionários: é na cúpula dirigente.
Instituições não são incompetentes, e sim seus gestores
Queria que se refletisse sobre este tema. É muito fácil a cúpula dirigente meter a mão, roubar, aí diz assim: “Ah, mas a Cedae é incompetente!”. A Cedae é uma instituição, instituição não é competente ou incompetente. Competente ou incompetente são os seus gestores. E não tem gestão que possa ser competente se a cúpula dirigente não o for, pelo menos que essa cúpula dirigente seja bem-intencionada, e não como estava, mal-intencionada.
Queria alertar sobre isso, porque senão ficamos discutindo a bomba do Lameirão e não se discute o que existe atrás dela. Por que precisa de 45 dias? Se tivessem mandado, há um ano, fazer a reforma da bomba, estaria prontinha. E isso não só acontece no Lameirão, não. Eu mesmo vivenciei um problema ao ser chamado pela comunidade de São Conrado, ali na subida da estrada que vai lá para Gávea Pequena, Canoas, onde existe uma comunidade que estava sem água. Fui verificar por que estava sem água. Porque a bomba que bombeia para lá estava queimada. Pergunta óbvia: “E a bomba reserva?” “Está consertando.”. “Mas está consertando há quanto tempo?” “Há mais de ano.”. Bomba reserva é para estar boa, lá no lugar. Uma pifou, entra no lugar na hora. Isso não tem que ter planos estratégicos de manutenção. Qualquer grande produção de água, você não sabe o que vai acontecer em um determinado momento, você tem que ter sempre esquema alternativo, esquema reserva.