Para fazer justiça, neste momento de discussão do tão importante Projeto de Lei 1773, de 2019, que institui no Estado Centros de Referências para vítimas de violência motivada por intolerância religiosa, quero voltar um pouco ao passado. O deputado Zaqueu Teixeira, ainda no PT, presidia a Comissão de Cultura da qual eu era membro. Foi ele que começou o movimento, visto que era delegado de polícia, pela devolução do nosso sagrado, de tudo aquilo que a Polícia Civil apreendeu nos candomblés da cidade do Rio de Janeiro.
O acervo da Polícia Civil do que apreendeu nos candomblés
Lembro que estivemos na Polícia Civil. Felizmente, havia um delegado, cuja esposa era umbandista, que nos mostrou com o maior carinho todo esse acervo, o que gerou duas hipóteses. A primeira, idílica, era no sentido de que esses símbolos, esses instrumentais pudessem voltar para os seus axés originais. Mas seria tarefa dificílima identificar e, muitas vezes, descobrir onde estavam esses axés.
A segunda hipótese, como queria a Polícia Civil e que nós não queríamos, era que o acervo fosse para o Museu da Polícia, que ainda não existe. Não gostávamos dessa intenção, porque exatamente isso teria que estar numa outra ambiência, e não em Museu de Polícia. Ali não era seu lugar.
A decisão da ida para museu: vitória da luta contra a intolerância
A luta continuou. Diversos outros parlamentares também assumiram essa luta. No dia 21 de setembro, felizmente, houve a decisão de isso tudo ir para um museu, como elementos sagrados do culto afro-brasileiro. Foi decisão muito importante, mas lembro que essa luta começou na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Registro isso aqui, porque, afinal, sou testemunha ocular da história.
O Estado brasileiro é laico, não tem religião
O 21 de setembro ficou marcado como grande conquista do movimento social e contra a discriminação religiosa. Esse é um projeto muito positivo e atual, porque fala de intolerância religiosa. O Estado brasileiro é laico, isto é, não tem religião, e a Constituição da República determina que todas as religiões, sem exceção, sejam respeitadas, que não podem ser discriminadas. Há intolerância religiosa, quando um líder evangélico quebra uma imagem, talvez em relação à religião católica. Há intolerância religiosa, quando o materialista dialético tripudia sobre a imagem de santo católico, de Bíblia ou de outro símbolo qualquer. Há intolerância religiosa, quando alguém, que se julga cristão, sem amor e perdão no coração, insulta os símbolos das religiões afro-brasileiras ou acha que aqueles que adoram e rendem culto a Alá devem ser também repudiados. Tudo isso é intolerância religiosa.
Meu acervo
O Projeto de Lei está certíssimo. Não está falando de uma religião. Refere-se a todas. Em meu gabinete, encontra-se a Bíblia Sagrada, uma das leituras mais interessantes que existem. Hão de encontrar lá, também, a imagem de Jesus Cristo e diversas Nossas Senhoras. Encontrarão lá ainda guia de Xangô, imagem de Xangô, imagem de Ogum, que, na verdade, é um sincretismo de São Jorge. Xangô é sincretismo de São Jerônimo ou de São Judas Tadeu. Ora, podemos conviver com isso tudo, respeitando todos. Isso é lutar por tolerância religiosa. Se me derem um Buda de presente, estará na minha estante. Quando estudei no Japão, achei muito interessante o culto a Buda, aquelas canções sonoras que renovam nossas energias. Essa religiosidade é do ser humano, há que ser respeitada.
A força criadora está acima de tudo
Ninguém é melhor ou pior do que o outro, porque é adepto desta ou daquela religião. Até porque, se existe força criadora, é criadora de tudo e estará acima disso tudo e não estará também nem preocupada com essas questões. Tem que estar muito mais preocupada em considerar e continuar a se desenvolver junto com todo o universo.
Queria deixar aqui esta mensagem, porque este é tema recorrente, que, quando vem ao plenário, alguém sempre o usa para afirmar seu princípio religioso, para lembrar fatos cometidos por gente que não tenha a noção do que seja religiosidade.
Preconceito existe em todas as crenças
Tem preconceituoso no catolicismo, nos evangélicos, nos candomblecistas, nos umbandistas, nos kardecistas, nos materialistas. Tem preconceituoso em qualquer lugar, mas esses preconceituosos são a minoria. Mas seus atos chocam tanto que aquilo parece que é a grande e imensa maioria. Nós temos que ser um país laico, que respeita todas as religiões, sem exceção.