Os projetos de lei apresentados pelo poder executivo à Assembleia Legislativa num pacote com 17 projetos, sem qualquer discussão prévia e no final do ano legislativo, além de ausência completa de respeito a outro poder, ainda vem eivados de erros jurídicos, inconstitucionalidades, impropriedades, com propostas absurdas, aleatórias e mal redigidas. Ainda piores são os objetivos: apropriar-se de recursos que não lhe pertencem. Comentarei alguns deles para exemplificar a gravidade do problema.
Desrespeito ao Código de Defesa do Consumidor
Em primeiro lugar, trato aqui do PL 1716/2019, que altera a Lei 2592/2016, que criou programas de proteção e defesa do consumidor – o Feprocon – e que é abastecido, principalmente, das multas que são infringidas àqueles que desrespeitam o consumidor. O governador pretende utilizar esses recursos para pagar vencimentos, vantagens e contribuição patronal. Parece brincadeira, mas é verdade. Teremos todas as possibilidades de derrubar o projeto no Tribunal de Justiça, porque desrespeita algo em que talvez o Brasil mais avançou – o Código de Defesa do Consumidor, copiado por outros países.
É um governo que não guarda apreço pela população fluminense e muito menos pelo parlamento fluminense. Somos oposição consciente, que vota favoravelmente àquilo que beneficia a população, mas fica unida, independentemente das divergências ideológicas, em tudo o que contraria a população, como o projeto que está fazendo um arresto do Fundo de Defesa do Consumidor.
Uso indevido do Fundo Especial do Corpo de Bombeiros
Em segundo lugar, para exemplificar com clareza o absurdo que foram as ações do governo do Rio de Janeiro nesta semana, destaco o PL 1721/2019 que altera a Lei 622/1982, que cria o Fundo Especial do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro – Funesbom.
Meu voto é pela inconstitucionalidade, porque taxa só pode ser criada com destinação específica e não é possível modificar essa destinação. O Funesbom vem da taxa de incêndio, cobrada da população para equipar o Corpo de Bombeiros para o combate de incêndios, que, aliás, não são poucos em nosso Estado: no centro, o caso do Quatro por Quatro; no Maracanã, do hospital. E também calamidades. No verão, são as chuvas e as inundações, além dos escorregamentos com mortes; no inverno, queimadas e incêndios que, na maioria das vezes, ocorrem por curto-circuito no sistema elétrico.
Taxa de incêndio é para combater incêndios e calamidades
O projeto desvia a finalidade da taxa, o que desrespeita o Corpo de Bombeiros e a população fluminense. Só por isso, já deveria ter ido ao Arquivo. Mas não para aí: desrespeita a Lei 4320, de 1964, que rege o orçamento público em todo o Brasil e que, de forma clara, define que os fundos especiais são reserva colocada pelo legislador à disposição de determinadas políticas públicas, não possuindo personalidade jurídica e devendo a lei instituidora estabelecer sua vinculação na estrutura da administração pública. Aqui a política pública é combater os incêndios, e não pagar folha de pessoal e contribuição patronal. É absolutamente inacreditável e o maior desvio de finalidade que pode haver. O governo poderia reconhecer e retirar de pauta. E ainda pretende que o saldo positivo do Fundo, ao virar de um exercício para outro, seja arrebatado e levado para o Tesouro do Estado.
O governo do Rio de Janeiro precisa respeitar as leis
Se o governo precisa de recursos, tem meios constitucionais e legais de obtê-lo. O Congresso Nacional aprovou, há quatro anos, a DRU – a Desvinculação dos Recursos da União – e permitiu a criação da DRE – desvinculação dos recursos do Estado – e da DRM – desvinculação dos recursos dos municípios, no montante de 30%. E a Constituição Federal explicita sobre que fundos não pode incidir a desvinculação, que são os dos poderes e uma ou duas outras exceções. O governo do Estado pode mandar uma emenda constitucional, para incorporar na Constituição do Estado, o que fez o Congresso Nacional nas disposições transitórias da Carta Magna. Então, poderia mexer em 30% de qualquer fundo, exceto os ressalvados na Carta Magna. A mesma legislação permite remanejamento e contingenciamento. Portanto, pode-se bloquear recursos logo na abertura do orçamento, e, a posteriori, remanejá-los. Tudo com apoio legal. Portanto, o erro é absurdo. Isso é incompatível com um juiz de direito. Se não for rejeitado esse projeto, arguirei no Tribunal de Justiça a constitucionalidade da matéria.