Terça, 01 de Março de 2016
Luiz Paulo: que o Rio resista, heroicamente, aos Narcisos que a assolam
Fundada por Estácio de Sá em 1º de março de 1565, curiosamente, naquela data, ao instalar-se em terra carioca, chovia a cântaros. Mas, porque vieram de alto mar e água potável de qualidade era o que mais necessitavam, ficou feliz.
Na véspera da data dos 451 anos, mais uma vez, a cidade que pseudamente se preparou para as Olimpíadas teve enchentes, alagamentos, nos mais diversos pontos. Uma chuva democrática, da Zona Sul à Oeste, passando pela Leopoldina, Zona Norte, trouxe todos os tipos de problema: no sistema viário, no sistema de transporte de massa.
Mas, para além da chuva, este é o aniversário de uma cidade dita, e o é de fato, maravilhosa – maravilhosa no aspecto natural, no contraste do mar com as montanhas, que contém a maior floresta urbana da face da terra plantada pelo homem, uma costa marítima com praias soberbas. Cidade rica em beleza, com povo extremamente amável, mas com problemas seríssimos de gestão desde a sua constituição.
Estamos na Praça 15, onde, em 1808, chegava D. João VI. Aqui havia, à época, só 50 mil habitantes. E, ao chegar com umas 300 pessoas em poucas naus, não tinham onde morar. Aí, nasceu a famosa sigla colocada na porta dos poucos imóveis no centro da cidade – PR – significando “Príncipe Regente”, mas, para o povo era “Ponha-se na Rua”. Assim começou a organização da nossa cidade, que, em seu processo histórico, sofreu agressões das mais vis.
Em exposição fotográfica sobre o Rio Antigo, que incluía plantas baixas de diversos logradouros e de prédios, pude admirar a Avenida Rio Branco, uma maravilha que foi liquidada pelo chamado desenvolvimento. É triste ver no que se tornou. A derrubada do Palácio Monroe foi crime histórico inimaginável. Ali, hoje, na Cinelândia, há uma garagem subterrânea.
O Prefeito Carlos Sampaio trouxe outro desastre para a cidade: destruiu o Morro do Castelo, onde estavam todos os fundamentos do nascedouro dessa cidade; só resta um pequeno montículo mostrando um dos acessos ao ex-Morro do Castelo. A desculpa? Arejar a cidade, para evitar doenças endêmicas; mas a zika está aí. Volta e meia um governante vem para cá e, como se descobrisse a pólvora, inventa soluções urbanísticas degradantes.
A política habitacional do Rio é desastrosa, segregadora. Os conjuntos habitacionais foram todos para a Zona Oeste, sem nenhuma infraestrutura para recebê-los, principalmente a de geração de emprego e renda, aumentando o custo de transporte e piorando muito a condição de vida dos que lá já estavam. Campo Grande está intransitável, repleto de conjuntos habitacionais. Foi desfigurado. Atendendo a quem? A que interesses?
A obra portuária, repleta de elogios, é, na verdade, mais um projeto segregador de uma cidade partida.
Orgulho-me de ser carioca, da beleza natural do Rio, mas me entristeço do que aconteceu do ponto de vista urbanístico, da qualidade de vida do cidadão, que se sente desconfortável sob todos os aspectos.
A degradação aumenta a cada ano. Governantes não pensam que o mais importante é conservar. Sempre o mais importante é a concepção egípcia de gestão, da época dos faraós – fazer grandes marcos, principalmente em concreto armado, para marcar a história de sua passagem. E a vida simples do cidadão fica cada vez mais prejudicada.
Nesses 451 anos de cidade, já participei ativamente de 70, mas, ao mesmo tempo, ao olhar a História, me entristeço: a falta de qualidade de gestão de uma parcela significativa dos seus governantes se estende até hoje. Estão mais para Carlos Sampaio do que para gestor que tenha uma visão humanista da cidade.
Portanto, Rio, parabéns pelos seus 451 anos. Continue sendo paciente, porque haverá um dia, e que seja em breve, quando, à frente de suas mudanças, estarão gestores responsáveis, seus admiradores, e não Narcisos a se contemplarem, confundindo como sua a beleza que é do Rio.